Médicos provam que é possível envelhecer e seguir se destacando na profissão

Continuar trabalhando. Quanto mais se vive o dia a dia da profissão mais conhecimento se adquire. É esse o entendimento que muitos médicos, todos além dos 70 anos, têm sobre as suas atividades

10/04/2022

NO HOSPITAL Sergio Almeida de Oliveira, cardiologista, 86 anos: mais de 40 mil cirurgias realizadas (Crédito: Gabriel Reis)

 

A geneticista Mayana Zatz, 74 anos, desenvolve um estudo intitulado Genética do Envelhecimento Saudável, no qual observa diversos aspectos do genoma de pessoas idosas ou centenárias. Ela certifica que o envelhecimento depende essencialmente de dois fatores: o ambiente em que se vive e o conjunto genético de cada individuo, na proporção de 80% e 20%, respectivamente. Ou seja, primeiro tem de se respeitar aquela receita básica da alimentação saudável, exercitar-se fisicamente, manter uma rotina que permita boas noites de sono. Aí sim, entra a roleta da genética: algumas pessoas, ainda que não respeitem nenhum ponto acima mencionado sobre um dia a dia sadio, conseguem ser longevas. “Esses casos chamamos de genes protetores”, explica Mayana. Nesse terreno do bem envelhecer, chama ainda mais atenção gente que, apesar de carregarem bom par de anos nas costas, seguem muitíssimo bem em sua atividade profissional. Esse fenômeno ocorre, sobretudo, entre os que estudaram e se formaram para nos fazer envelhecer com saúde – ou seja, os médicos. “Nesse sentido, a motivação pessoal acompanha os genes protetores”, diz Mayana.

PIONEIRA Silvia Regina Brandalise, pediatra, tem 79 anos: ela se vale da literatura internacional para se atualizar (Crédito: Eduardo Anizelli)

 

“Quando nada mais tiver a fazer nas áreas da medicina, ensino e pesquisa, serei voluntária com crianças. Quero contar histórias e brincar” Silvia Regina Brandalise, pediatra

A motivação, na verdade, é tudo. E ela não falta a esses profissionais após os 65 anos, fronteira reconhecida pela OMS como terceira idade. “Enquanto sentir confiança, vou continuar”, diz o cardiologista do hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo Sergio Almeida de Oliveira, 86 anos. Em seis décadas de atuação, ele conta que apenas reduziu o volume de trabalho, mas continua clinicando e cuidando dos corações dos pacientes no centro cirúrgico. “Durante muitos anos operei dia e noite no hospital, recebia chamados de urgência no meio da madrugada”, afirma Oliveira. Nesse período, ele aprendeu e aperfeiçoou diversos métodos cardiológicos que lhe permitiram realizar mais de quarenta mil procedimentos, salvando muitas vidas. Como professor da USP participou da formação de mais de duzentos cirurgiões. Oliveira acredita que praticar golfe, seu esporte predileto, é o que lhe faz ter boa saúde: “tomo alguns remédios, o que é normal, mas o meu coração está em dia”. Gente como o doutor Oliveira deixa marcas indeléveis por todos os consultórios em que passa e, apesar das limitações naturais impostas pelo tempo, continuam gerando conhecimento científico. “Nunca tive uma cabeça tão boa como agora”, assegura Silvano Raia, um dos principais personagens da ciência e da medicina no Brasil. Ele foi o primeiro cirurgião da América Latina que, nos anos 1980, fez transplante de fígado. Agora, perto de completar 92 anos, Raia, junto a Mayana Zatz, está à frente do projeto de construção de um biotério suíno no Brasil. A intenção é possibilitar a criação de animais geneticamente modificados que fornecerão órgãos para transplantes em humanos. “Quero ser o primeiro a realizar a cirurgia. Será algo revolucionário”, diz.

Avental branco

Se o Centro Infantil Boldrini, localizado na cidade paulista de Campinas, referência no atendimento de crianças e adolescentes com câncer e doenças hematológicas, exigisse o afastamento da pediatra Silvia Regina Brandalise devido à idade, ela responderia enfaticamente: não! Aos 79 anos, Silvia deixou de dar consultas diretas, mas continua firme na retaguarda: “participo das reuniões clínicas, pois sigo me atualizando com dados da literatura internacional”. Ela lidera projetos de pesquisas fundamentais para entender a relação entre ambiente e a ocorrência do câncer. “Não passa na minha mente deixar de raciocinar como médica”. Esses profissionais mostram que, em medicina, definitivamente, a idade avançada não impõe aposentadoria compulsória.

Helvio Romero

Prêmiada Angelita Gama

Não há limites para Angelita Harb-Gama. Ela é paraense da Ilha de Marajó, nasceu em 1933. Angelita foi à primeira mulher a ser residente em cirurgia geral no Hospital das Clínicas da USP. Na mesma instituição foi, também, a primeira a chefiar o departamento de Gastroenteriologia. Angelita publicou mais de duzentos artigos científicos e tem atuação de destaque em diversas associações médicas no Brasil e no exterior. De tão competente, a médica criou a disciplina coloproctologia, área que estuda doenças que atingem todo o aparelho gástrico digestivo. Na semana passada, ela ingressou no seleto rol dos cientistas que mais contribuíram para o desenvolvimento da Ciência em todo o mundo. Apenas 2% dos pesquisadores mais destacados no planeta fazem parte dessa lista organizada pela Universidade norte-americana de Stanford.

Fernando Lavieri (ISTOÉ)

 

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