O dilema do porco-espinho: como encarar a solidão

'Ninguém pode ser maduro e equilibrado se não administrar sua solidão'

02/12/2018

Historiador e professor da Unicamp, Leandro Karnal, diz que aprender a envelhecer com interesses novos é exercício desafiador — Foto: R. Trumpauskas/BBC

 

Reunidos em um mesmo espaço, distanciados pela ausência de convivência. Como seres humanos, estamos acompanhados tanto quanto estamos sós. É a medida da solidão quem vai estabelecer esta diferença.

Autor do recém-lançado "O dilema do porco-espinho: como encarar a solidão" (Editora Planeta), o historiador Leandro Karnal discute o isolamento social, a fragilidade das conexões (reais ou virtuais) e a difícil vivência da solidão pela sociedade contemporânea.

As reflexões, feitas com o aporte da filosofia, da história, da religião, da literatura e do cinema, têm um tom pessoal, entrelaçadas com memórias e questionamentos do professor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Os pensamentos de Karnal alcançam áreas distintas, como a saúde mental.

A certa altura, afirma no livro que "a era da plena liberdade de escolha e intensa realização é a farmacopeia contra a tristeza. Nunca sorrimos tanto nas redes e nunca consumimos tantos remédios para dormir, para ser viril ou para acordar".

Em entrevista à BBC News Brasil, o doutor em História Cultural pela USP comenta sobre a necessidade de políticas públicas voltadas para o tema, os laços constituídos pelo ódio e o paradoxo da época que mais vive a solidão, mesmo tendo horror dela.

Leia abaixo:

BBC News Brasil - Os brasileiros com mais de 60 anos passam de 30 milhões, de acordo com o IBGE, e a tendência é que, em 2031, o número de idosos supere o de crianças e adolescentes. Nesse cenário, a solidão passa a ser um problema relevante nacionalmente?

Leandro Karnal - O envelhecimento da população é um fato demográfico insuperável. Sabemos que existe uma possibilidade de aumento da solidão na terceira idade por motivos variados, inclusive pela dificuldade de estabelecer novos laços significativos e até por questões neuroquímicas. Porém, não é um destino: a sociabilidade pode ser explorada, e jovens também podem sentir solidão aguda.

 

Aprender a envelhecer com interesses novos é um exercício desafiador.

 

Cursos gratuitos, novos desafios, retomar projetos da juventude e procurar pessoas com interesses próximos são soluções baratas e possíveis. No primeiro mundo há muitos idosos viajando em cruzeiros e outras atividades mais caras. Aqui, devemos ser mais criativos.

BBC News Brasil - Quais políticas públicas precisam ser pensadas a partir desse cenário? Será necessária a criação de um Ministério da Solidão, a exemplo do que foi feito ela premiê Theresa May no Reino Unido?

Karnal - Um ministério a mais significa mais funcionários e nenhuma solução concreta para o problema. Precisamos de políticas de Estado para o tema de solidão e envelhecimento; não precisamos de mais mecanismos burocráticos.

Sistemas privados, mistos e públicos já fazem muitas coisas, como iniciativas do Serviço Social do Comércio (Sesc), do Serviço Social da Indústria (Sesi) etc. As universidades públicas já oferecem cursos e devem ampliar a oferta.

Políticas de Estado, e não mais um prédio na Esplanada dos Ministérios.

BBC News Brasil - Como os países latinos tratam a solidão?

Karnal - Somos mais publicamente gregários do que povos do norte da Europa, por exemplo. Há menos gente no mundo latino saindo para viajar ou comer sem formação de grupo. Brasileiros médios usam menos a leitura como lazer do que franceses e ingleses médios.

 

A leitura é um caminho poderoso para embalar uma solidão saudável.

 

Os museus em Londres são quase todos gratuitos, mas no Brasil são poucos assim. O espaço da rua da América Latina é mais agressivo e arriscado do que uma cidade britânica; logo, é mais difícil ser um idoso nas calçadas do Rio de Janeiro ou São Paulo.

Por outro lado, as famílias latinas buscam mais contato, as amizades fora da família são um pouco menos submetidas a regras e nossa sociabilidade é muito rápida, ainda que acusada de ser muito superficial.

Por BBC 

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