Lar de idosos usa maconha para melhorar qualidade de vida

Centro em Nova York incentiva adoção de cannabis para tratar doenças que acompanham o envelhecimento

25/07/2017

POR JULITA LEMGRUBER

NOVA YORK — A 45 minutos de metrô do Centro de Manhattan, o Riverdale Hebrew Home, no Bronx, tem segurança rígida, com uma série de verificações dos visitantes que entram no terreno de 129 mil metros quadrados de jardins que circundam prédios de tijolos vermelhos. Tudo meticulosamente cuidado. Nas paredes, obras de artistas mais ou menos famosos e até Andy Warhol está por lá. Neste centenário lar de idosos, com programas que vão da hidroterapia às artes plásticas, o responsável médico pelo local há 17 anos, Zacharia Palace, implantou um programa inovador de uso da cannabis medicinal.

Na fila da cannabis: consumidores tiveram que esperar para comprar os pacotes de 5 gramas de maconha que, em alguns casos, principalmente na capital, se esgotaram em poucas horas.

Criado em 1917 como uma residência exclusiva para judeus (hoje, eles são dois terços dos 843 residentes), o Hebrew Home é, como diz Palace, o “crème de la crème” entre os lares para idosos. Seus serviços são bem mais sofisticados — e inovadores — que a média do mercado. Nos anos 1990, este foi o primeiro lar para idosos a implementar uma “política de expressão sexual”, ou seja, respeitar o desejo de residentes de exercer sua sexualidade nos seus espaços privados. E todos os residentes, mesmo aqueles com limitação de mobilidade, são independentes.

Entusiasta do uso medicinal da cannabis, Palace faz uma palestra mensal esclarecendo aos idosos que o uso da erva pode ajudar numa melhor qualidade de vida, justamente por tratar patologias que acompanham a terceira idade. Tudo começou em novembro de 2016. Hoje, oito idosos fazem uso da cannabis medicinal.

— Isto também acontece em outras instituições para idosos, mas o Hebrew Home é o único a assumir publicamente tal prática e a encorajar sua adoção entre os residentes, sempre cuidando de se manter dentro dos limites legais — diz Palace.

DIFERENÇAS NA LEGISLAÇÃO

Como nos Estados Unidos há conflitos entre a legislação federal e a dos estados no que se refere ao uso de maconha, o Hebrew Home precisa tomar precauções para não infringir a lei. Até agora, 29 estados americanos já legalizaram a maconha para fins medicinais; em oito estados e na capital do país, a maconha está legalizada também para fins recreativos. Mas em nível nacional a maconha ainda é proibida, e lares para idosos são regidos pela legislação federal, que também abrange os programas federais Medicaid e Medicare, de assistência à saúde.

Para que o Hebrew Home não seja acusado de desrespeitar a lei, os residentes que fazem uso da maconha devem ser capazes de autoministrar a substância, comprada por seus meios e com seus próprios recursos. Todos mantêm a droga em cofres dentro de seus quartos, dos quais só eles têm as chaves.

Para ser autorizado a fazer uso da maconha, o residente da instituição deve apresentar alguma das patologias descritas pela legislação de Nova York como elegível para o uso medicinal: dores crônicas graves, mal de Parkinson, dores neuropáticas, esclerose múltipla e consequências da quimioterapia — náuseas, vômitos, perda do apetite, entre outras.

— A necessidade de autoministrar a substância, o pesado estigma que ainda recai sobre o uso da maconha e o alto custo (US$ 240 mensais) afastam muitos pacientes potenciais — diz Palace, que acredita que o número de adeptos deve crescer rapidamente, já que os idosos residentes na unidade começaram a entender que a visão da maconha como uma planta moralmente condenável é uma bobagem.

No Hebrew Home, a cannabis, como medicamento, é utilizada em cápsulas ou em óleo. Embora a legislação do estado autorize vaporizadores, o centro mantém uma política de fumo zero e, assim, o uso da maconha através de vaporizadores não é permitido.

Estudos recentes demonstram que o uso de maconha por adultos nos Estados Unidos vem crescendo. A pesquisa nacional sobre Uso de Drogas e Saúde, por exemplo, revelou que, entre 2006 e 2013, o consumo dessa substância aumentou 60% entre pessoas com 50 a 64 anos e, no mesmo período, a variação foi de 250% entre idosos com 65 anos ou mais.

Por outro lado, o número de aposentados americanos que tomam pelo menos três drogas psiquiátricas mais do que dobrou entre 2004 e 2013, embora praticamente metade desses pacientes não tenham diagnóstico de qualquer problema mental. Ou seja, tem havido prescrições em demasia para idosos de drogas que provocam efeitos colaterais indesejados.

Tudo isto também tem ajudado a disseminar a ideia de que a cannabis medicinal pode se constituir em alternativa eficaz para variados tipos de patologias que surgem na terceira idade. Segundo Palace, vários dos opioides muito prescritos para idosos, para lidar com dores crônicas, provocam prisão de ventre e tonturas. Então, o que ele está sempre procurando é um medicamento que traga mais benefícios com menos riscos. E a cannabis medicinal é a resposta em muitos casos.

Helen Wagsman é uma dessas pacientes. Com 89 anos, ela tem mal de Parkinson há dez anos e a rigidez muscular causada pela doença provocava dores insuportáveis nas pernas, principalmente nas primeiras horas da manhã. Helen começou a usar cannabis medicinal há três meses, toma duas cápsulas por dia e revela que sua vida mudou muito. Sorridente, apenas lamenta que não sinta o “barato” que muita gente diz que acompanha o uso da maconha. No seu cofre, onde mantém bem guardado seu medicamento, está grudado um ímã da personagem Mafalda: “minha nora é argentina”, ela explica rindo.

Fonte: O Globo

VEJA TAMBÉM